segunda-feira, 14 de junho de 2010

Ainda um artigo para reflectir sobre o Festival da Guitarra do Algarve


Texto de Orlando Leite – A guitarra portuguesa, cada vez mais, começa a andar na boca do mundo, sinal de que o instrumento português por excelência começa finalmente a ter outra visibilidade. Ao contrário de outros instrumentos “primos” que se popularizam além fronteiras como o cistra (cítara) grega ou do cittern inglês, a guitarra portuguesa vivia enclausurado na sua melancolia. Com o surgimento de uma nova geração de tocadores, a guitarra portuguesa tem vindo a conquistar um espaço próprio no panorama musical nacional e internacional. Em Faro, a guitarra portuguesa conheceu nova realidade com a realização de um festival, o primeiro a nível nacional.
Com início no passado dia 10 de Junho, o Festival Guitarra Portuguesa contou ao longo dos quatro dias com uma dezena de construtores – Fernando Meireles, Óscar Cardoso, Pedro Caldeira Cabral; Nuno Cristo; Fernando Silva (Fanan dos Leques); João Pessoa; José Castro de Carvalho -, tocadores – Pedro Pinto; António Eustáquio, José Alegre; Luís Marques; Marta Costa; Simon Achida, Hugo Reis, entre muitos outros – e conferencistas – José Alberto Sardinha (A Origem do Fado); Luís Penedo (as origens da guitarra e Museu do Fado) e Pedro Caldeira Cabral (origem da guitarra, fabrico e afinações).
A arte performativa teve o seu espaço com Nuno Ferreira e Tatiana Barreiros que criaram, em forma de improviso na abertura do festival, “ A Rede”, complementando-a, no encerramento do festival, com instrumentos e outros elementos alusivos à guitarra portuguesa. A poesia marcou presença no primeiro dia com Afonso Dias.
A par do “Ciclo Guitarras Portuguesas com Grandes Mestres” (Paulo Soares, Pedro Caldeira Cabral e Custódio Castelo) a atracção principal do festival foi sem dúvida a exposição “Guitarra Portuguesa com Futuro”, que o ocupava o piso superior do Teatro Lethes. Imaginativa, facultativa e inter-activa esta exposição estava dividida em seis salas, tendo como elo de ligação a temática do festival. Miguel Cuña, responsável pela concepção da exposição, foi o nosso cicerone na visita ao primeiro andar do Teatro Lethes: Não se pretendeu criar uma exposição demasiado erudita, apesar de se apresentar vários exemplares de guitarras de diferentes épocas, estilos e construtores, mas sim um projecto com o intuito de juntar artes diversificadas como por exemplo escultura, grafitti, multimédia, talha, por um objectivo comum: criar um espaço que tenha uma componente estética muito forte mas que também tenha uma utilidade e que fosse um espaço “vivo”, interactivo, com uma dinâmica multidisciplinar e performativa. Posso dar como exemplo o facto de durante os dias do festival o construtor de guitarras José Castro Carvalho, entalhador de braços de guitarras portuguesas, trabalhar ao vivo numa das salas. Outro exemplo da interacção da exposição com o público é o facto de numa das salas, sala a que decidimos chamar de “Hands”, todos os visitantes, músicos ou não, tocarem, sentirem o peso das guitarras. Essa sala de quando em vez ficará um pouco “vazia” pois as guitarras têm que sair do sítio para os músicos tocarem nas tertúlias ou no palco. A exposição além de se criar um espaço de convívio no qual pessoas se sintam à vontade para estar, participar e mesmo dar ideias, pretende que surja alguma evolução nos conceitos e métodos. Isto é, ao juntar aqui pessoas com diferentes backgrounds tanto pessoais como académicos ou apenas curiosos se contribuía para que haja um maior fluxo de informação e troca de conhecimentos, pois é da diversidade que surge a evolução.
Descemos as escadas em direcção ao auditório para se falar dos concertos de noite.
Três mestres, três maneiras diferentes de abordar a guitarra portuguesa. A vertente mais classicista e concertante marcou presença com Pedro Caldeira Cabral; Coimbra teve mais encanto nas mãos de Paulo Soares e o improviso e virtuosismo deu pelo nome de Custódio Castelo.
As Tertúlias tiveram grandes momentos, dos quais destaco: António Eustáquio com o contrabaixista Carlos Barreto, o jovem Luís Marques de técnica apuradíssima mas que se aconselha a não ser um seguidor em toda a linha de Carlos Paredes, José Alegre, Simon Achida e, para não fazer deste artigo uma coisa apenas no masculino, a tocadora Marta Costa que vem evoluindo de forma surpreendente.
Sobre as conferências destaco sem dúvida alguma a de José Alberto Sardinha que veio falar sobre o seu novo livro “ A Origem do Fado”. Esclarecedora, dirigida com frontalidade sem artefactos superficiais a leigos e conhecedores.
Finalmente o seu a seu dono. A João Cuña, responsável directo por quatro excelentes dias com guitarra portuguesa. Uma organização sólida, bem idealizada e melhor concretizada.
O recado.
Aproveitando o facto de estar ainda ao gatilho da escrita uma chamada de atenção àqueles que devem servir a cultura e não servir-se dela.
Este primeiro Festival Guitarra Portuguesa merecia mais, muito mais, das entidades governamentais, camarárias e privadas. Jorra euros para as Vuvuzelas, futebóis e outros disparates, similares ou não, mas pouco para a nossa cultura. Como a guitarra que tem como apelido portuguesa.
Os agricultores pedem subsídios e não é por isso que são desconsiderados enquanto profissionais. Os pescadores pedem subsídios e não é por isso que os olham de lado. A indústria é subsidiada e ninguém o contesta. Há mesmo, imagine-se, quem preconize subsídios à economia e aos bancos… E ainda não vi ninguém rir-se! Mas uma entidade de âmbito cultural, como exemplo a Guitarra Portuguesa com Futuro, é de imediato conectada como “pedinte”, pois aos olhos dos tais de subsídios passam a vida a lamuriar-se, quando passam a vida a “divertir-se”.
Eu sei, há muito, que a Cultura em Portugal, não é vista como um bem de primeira necessidade, não é vista como um gerador de riqueza, e, tristemente os seus agentes não são levados a sério. Curiosamente, todos os dados e estatísticas da EU apontam em sentido contrário, pois a Cultura emprega milhões de pessoas na Europa (mais do que a indústria automóvel, por exemplo) e encerra um enorme potencial de inovação, competitividade e criação de postos de trabalho.
Dito isto, depois de disparar numa única direcção, fica-me a “azia” de não ter visto no Teatro Lethes, em quatro dias de festival com inícios quase madrugadores, um bar aberto, uma divulgação institucional visível…
Ou será que a Câmara Municipal de Faro não se apercebeu da magnitude e importância deste evento, social e culturalmente falando?

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